quinta-feira, 26 de agosto de 2010

o surto de m. night shayamalan


M. Night Shayamalan perdeu a cabeça de vez.

Não consigo me lembrar de nenhum outro diretor que teve uma carreira tão dividida quanto a dele. Pra mim, são duas fazes muito claras: os quatro primeiros filmes, “O Sexto Sentido”, “Corpo Fechado”, “Sinais” e “A Vila” representam os acertos. Filmes de roteiro esperto – todos escritos por ele – filmados de maneira muito interessante, que mostravam domínio do diretor sobre a linguagem cinematográfica. São filmes nitidamente bem pensados e realizados; obras em que os elementos como música, fotografia e direção de arte são explorados de maneira muito precisa.

A segunda (e infelizmente atual) fase dele concentra 3 grandes erros e se iniciou com o estranhíssimo “A Dama na Água”. Shayamalan tinha a Buena Vista (que faz parte do grupo Disney) como parceira nos seus 4 primeiros projetos. “O Sexto Sentido” foi um enorme sucesso e o projetou como uma das grandes apostas da nova geração de diretores – lembro de ler algumas matérias que chegaram a compará-lo (mantidas as devidas proporções, é claro!) a Alfred Hitchcock e Steven Spielberg. Quando teve o insight sobre a trama de “Dama”, a estúdio tentou convencê-lo a desistir do projeto. O diretor lutou pelo que acreditava, rompeu com a Disney e... estava errado. O filme foi um fracasso nos EUA e, somando a bilheteria do mundo todo deu irrisórios 2 milhões de lucro para a Warner, nova parceira do diretor.


 O filme é uma fábula moderna sobre uma sereia (Brice Dallas Howard) que aparece na piscina de um condomínio na Filadélfia, nos EUA. Paul Giamatti faz o zelador do condomínio, que descobre a criatura mítica e embarca com ela em uma jornada para tentar ajudá-la a retornar para seu mundo e de quebra ainda identificar um misterioso escritor, que supostamente escreverá um livro que irá beneficiar a humanidade. Tudo muito criativo, é verdade. Mas o filme sublinhava o que eu vejo como a pior característica das obras dele: exigir que o espectador compre um universo com regras muito específicas; muitas delas bem difíceis de engolir. Quando faz isso de maneira inteligente (como em “A Vila” e “Sinais”), nós nos envolvemos com a história e relevamos coisas que poderiam ser quase enquadradas como trapaça. Mas “Dama” elevou isso à nona potencia. Era uma história de fantasia feita para adultos que se passava num ambiente realista, mas existia apoiada em aspectos nada críveis. Não dava para comprar.


Zooey Deschanel e Mark Wahlberg pagam mico em "The Happening"
O próximo filme, “Fim dos Tempos”, foi um susto pra mim. Achava que “Dama” tinha sido um deslize, mas esse projeto estrelado por Mark Wahlberg e Zooey Deschanel sobre um vírus misterioso que se alastra pela humanidade piorou muito a situação. O filme soa em vários momentos como uma comédia, mas faz humor involuntariamente; quando deveríamos estar absolutamente assustados e tocados pela jornada dos protagonistas, estamos na verdade chocados com a canastrice gritante. Assisti uma só vez, confesso. Mas fiquei mesmo com a sensação de que quase nada se salva ali.

Isso nos traz ao novo filme dele “O Último Mestre do Ar”, que estreou na última sexta-feira. Baseado em na série de animação “Avatar: The Last Airbender” do canal Nickelodeon, o filme sempre me pareceu uma escolha estanha de Shayamalan. A campanha de marketing é bem vaga e misteriosa e para quem não é familiarizado com a série de TV – como eu – o filme foi vendido de forma enganosa: parecia um épico oriental. É na verdade, um filme infanto-juvenil. Até aí, tudo bem. O problema é que é um filme infanto-juvenil muito, muito fraco! É quase impossível de acreditar que a mesma mente por trás de “O Sexto Sentido” possa ter realizado o que vemos em “The Last Airbender”. Fazia muito tempo que não assistia algo tão chato, arrastado e sem emoção – adjetivos que tem que passar longe de qualquer filme e especialmente de histórias de aventura e fantasia. 


A história: Aang, uma espécie de monge budista é identificado como o Avatar, a reencarnação de uma divindade única, capaz de controlar os quatro elementos: Terra, Ar, Fogo e Água. Estamos falando de um mundo alternativo; não estamos na Terra, e este planeta não-identificado é dividido por diferentes nações, cada uma com um dos elementos como “força” motriz e cidadãos que conseguem controlar esses elementos. A nação do Fogo (quem mais?) está atacando as demais e luta pela hegemonia da planeta. O Avatar, é claro, é o único que pode trazer o equilíbrio de volta. Congelado em uma bolha de ar (!) por cem anos, ele é finalmente libertado e, ainda como um menino, terá que aceitar seu chamado divino e lutar pela paz no planeta.  

A premissa é até interessante e Shayamalan teve nas mãos uma grande oportunidade: pela primeira vez estava contando uma história que se desenrola assumidamente num universo fantasioso; aqui, não nos sentiríamos forçados a comprar sereias que vivem em piscinas e homens com super poderes andando entre nós (como em “Corpo Fechado”). Tudo pode acontecer em uma terra de fantasia! Mas Shayamalan erra feio ao nos situar neste universo que criou: joga um volume enorme de informação a todo tempo e, por ser um filme para público mais jovem, repete essas informações over and over again! Subestima o espectador num grau elevadíssimo, colocando voice overs explicando a cena que estamos vendo diante dos nossos olhos e, de quebra, muitas vezes ainda usando letreiros para reforçar o que está acontecendo. A platéia não é idiota e, aprendi nas aulas de roteiro e direção, tratar a mesma como tal é um dos maiores erros que um filme pode cometer.



Noah Riger como Aang em momento nervosinho.

Jackson Rathbone (Sokka) e Nicola Peltz (Katara): irmãos chatinhos.
Além disso, o elenco escolhido é fraco e apático demais! Não dá para se envolver com nenhum deles, em momento algum. Falta emoção e, num filme que se propõe a levantar inúmeras questões existências dos personagens isso é inadmissível. Como sentir a angustia de um personagem se ele não transparece emoção? Como temer e torcer por este personagem se você simplesmente não se importa como ele? Não há carisma em nenhum dos atores e personagens principais. Jackson Rathbone (o Jasper da série “Crepúsculo”) confirma sua incompetência e entra e sai de cena como um personagem secundário patético, sem o mínimo propósito para a história. Nicola Peltz, que faz sua irmã, não convence em nenhuma cena e chega a ser irritante em vários momentos. Fora eles ainda temos Noah Ringer, que interpreta o Avatar e não é de todo mal, mas simplesmente não consegue “vender” a profundidade emocional que seu personagem deveria conter. Fechando com chave de ouro (NOT), está Dev Patel, que interpreta o filho do líder do povo de Fogo, exilado pelo pai até que consiga localizar e capturar o Avatar. É impossível olhar para ele e não lembrar de seu Jamal (de “Quem Quer Ser um Milionário”), o que trabalha contra ele, que tenta aqui emplacar como vilão. 


Dev Patel como Zuco: vilão bonzinho.
As cenas de luta são o ponto alto da obra. É bem interessante o modo como os “benders” manipulam os elementos e os usam como forma de defesa e ataque. As cenas que incluem Água e Ar são especialmente bonitas e vale pontuar um plano seqüência de alguns minutos bem executado em uma das batalhas. Mas apesar de bem realizados, nenhum desses efeitos é groundbreaking. Não há nada que não tenhamos visto antes muitas (e muitas!) vezes.

Se é que dá para piorar a situação, “Airbender” ainda consegue ser o exemplo perfeito para ilustrar uma atual polêmica em Hollywood: o mau uso do 3D. A “nova” tecnologia surgiu com força como a arma dos executivos para levarem as pessoas ao cinema em tempos de donwloads grátis e DVDs pirata no metrô. E a coisa tem funcionado, “Avatar” fez a maior bilheteria da história para comprovar. Daí prática tão comum entre os estúdios e que tem gerado a tal polêmica: a conversão de filmes idealizados e rodados em 2D para a exibição em 3 dimensões. O propósito é um só: $$$! O 3D, que em muitas produções tem sido usado como ferramenta estética e narrativa; filmes pensados para serem feitos desta forma, passou a ser usado com banalidade e com resultado estético bem sem graça. “O Último Mestre do Ar” faz justamente isso: se vende como 3D somente para atrair gente ao cinema e o que vemos é um espetáculo opaco, desinteressante e gratuito.

Shayamalan: rindo de quê?
 Em suma: uma catástrofe. Shayamalan realmente perdeu completamente a noção e se afunda cada vez mais profundamente a cada trabalho concluído. Uma grande pena. 

O filme não tem feito carreira brilhante nos EUA, mas já acumulou mais de 225 milhões de dólares no mundo todo, tento custado inacreditáveis 150. Isso deve garantir a continuação da saga - o primeiro filme se encerra já deixando tudo armado para a sequência. Devem vir mais dois filmes sobre os quais você certamente não vai ler neste blog.



2 comentários:

  1. Olá tudo bem Paulo?

    Quem escreve é Alexandre

    Acabei de descobrir seu blog por intermédio da Fernanda que estudou com vc no Friburgo. Sou o namorado dela e tbm compartilho com vc a paixão pelo cinema. Também tenho um blog no assunto (que é a assinatura desse comentário)e gostei bastante do que você escreve por aqui.

    Gostaria de te propor uma parceria ou mesmo (se tiver interesse é claro) te convidar para escreve no Fotograma Digital também.

    O blog tem um ano de atitividade, temos quatro colaboradores e gostaria que vc fizesse parte também.

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    Abraços !

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  2. excelente ponto de vista! abra;'os David Schurmann

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